quinta-feira, setembro 21

Província Láctea

--O Céu não pode mais ficar nesse vai-não-vai, nesse casa-não-casa, dizia uma das primas Anéisaturno, mesmo sendo de distante parentesco, sobre a conduta titubeante de tal ente cá na terra. –Já enamorou e esqueceu da Lua, naquele caso confuso, está lembrada, não? Depois o amor foi-se embora, o Céu se separou dela, passou um tempo deprimido, literalmente baixo astral, mas atualmente está noivo das Estrelas e não faz muito soube que anda por aí se esfregando com umas tais de Nuvens!—tabelava, indignada. –Dizem até que é caso antigo. Não sei não, viu. E outra coisa: você sabe qual o estado natural dessas Nuvens?
--Ouvi dizer que eram gasosas, mas desconfio que sejam na verdade sólidas. E então imagine você!, pôr em risco um matrimônio com as Estrelas em troca de sólidos!—lamentava a mais corporativa delas.
--Pois é...mas o fato é que ele desde moço sempre foi namorador. Fico a lembrar desse caso espichado que teve com a Lua, pensava até que ia sair casamento. Anos luz atrás, não me esqueço, o Céu punha pressa nas rotações pra chegar logo o anoitecer! Ah, e se a Lua se encontrasse cheia, com as estrelas ofuscadas, era logo aí que a madrugada se arrastaaaava... ,enchendo de coragem as declarações de amor dos terráqueos. Namoro que durou, corrija-me se estou enganada, para mais de milhões de anos em translações satúrnicas, não foi mesmo?
A sua prima aquiesceu. Acrescentou, entretanto, que a coisa começara a desandar quando o Céu dera para implicar com as inconstâncias da Lua. “Você muda ao sabor das marés!”, destemperava, fazendo-se ouvir anos-luz de distância! E, como não bastasse, quando a ciumeira dela com as Estrelas teve início, não houve outro jeito: tudo terminado entre os dois, completou.
--E logo depois veio as Estrelas e cá estamos presenciando um noivado que vai andando mal das pernas. Eu não entendo, absolutamente não entendo. Se ele não acaba de vez com essas aventuras púberes, não se conserta mais. Pois que além de tudo—não podia se conter—noivar com Estrelas é uma grande união! Quantos cometas e astros-reis já não lhes fizeram a corte sem êxito algum? E ainda chegou-me que essas Nuvens são um tanto esquecidas das poesias terráqueas, se comparadas à nobre linhagem metafórica das Estrelas. Imagine o dote!
--È Realmente lamentável, prima. Você tem toda razão. Acho falta de senso deixar enlace tão promissor em busca de aventuras, como diz. E não foi você mesma que me contou que eles andam sempre juntos, dia e noite?, e que essas Nuvens têm ainda por cima a ousadia de encobrir as Estrelas e esconder a Lua?
--Fui eu sim. Do jeito que está, estou pensando em viajar algumas órbitas pra aconselhar esse garoto...
E assim as duas primas Anéisaturno continuaram até o cair da tardinha sideral, tecendo considerações a respeito da conduta juvenil do afastado ente familiar na Província Láctea.

Um comentário:

Gabriel Carvalho disse...

o final ficou massa... Bem poético, adoro prosa poética velho...
flw